Hello World

O texto abaixo foi escrito para ser um roteiro de um vídeo, então a estrutura está um pouco picotada.

Olá, se você está lendo esse texto acredito que já me conheça. Então não preciso me apresentar, certo?

Antes de tudo, pode ser que por um motivo ou outro você não termine esse conteúdo. Tudo bem, vai perder uma baita história. Só peço algo que é meu de direito: respeito. Você pode discordar de mim, mas peço que entenda que pra mim isso faz sentido.

Vou falar um pouco da minha infância e adolescência, não que isso justifique ou explique, mas com certeza auxilia o entendimento.

Meus pais se separaram quando eu era bem criancinha ainda. Talvez com 2 anos? Não sei ao certo, mas o fato é que não tenho nenhuma memória deles juntos.

Me lembro de morar na casa da minha avó, de ir pra escola e de brincar muito com meus primos. Lembro também que algumas coisas me incomodavam, como quando um tio virava para o filho dele, meu primo, e falava que ele tinha que agir como homem, que não podia ter a voz fina ou chorar. E acredito que ele deveria ter 5 anos nessa época. Lembro ainda de ele forçar a voz para ficar mais grossa.

Sempre fui um menino franzino e delicado. Qualquer coisa eu machucava e chorava. Talvez pela separação dos pais? Ou então pela pura manha de ser o caçulinha? Não sei…. mas eu sempre me vi assim.

Nas décadas de 80 e 90 ainda não se tinha um conceito de criação de filhos igual ao que temos hoje. O segredo era deixar a criança inteira e longe de encrenca, o resto tava tudo certo. Então as pessoas não pensavam muito em dar exemplo pra gente e era normal crescer vendo algumas cenas um tanto quanto diferentes: adultos caindo de bêbado na sua frente, brigas e discussões pesadas entre marido e mulher, traições escancaradas e um entendimento quase zero do que era saúde mental.

Meus conceitos do que era ser um homem adulto começavam a tomar forma e hoje consigo perceber que em muitos momentos tive atitudes que me levaram para o oposto daquilo que eu entendia.

Em algum momento que eu também não me lembro, talvez com 6 anos? Minha mãe se casou novamente e meu padrasto sempre teve a postura de demonstrar que ele não queria substituir nosso pai e sempre achei isso muito bom. Sempre nos apoiou e ajudou em nossa educação e tentando ali manter o seu próprio limite e mesmo que meu pai não se fizesse presente, ele não aproveitou dessa brecha para nos “roubar” pra ele.

Talvez o perfil e esse distanciamento moral dele e talvez a ausência física e emocional do meu pai tenham contribuído para quem eu sou hoje, ou talvez não. Talvez apenas deixou claro pra mim que eu não queria participar daquele mundo.

Aos 11 anos de idade, fui para um colégio maior (Objetivo) e cheio de pessoas diferentes. Lá eu acabei assumindo o perfil que duraria décadas: o nerd exigente, convencido, implicante e que sempre estaria rodeado de meninas. (para o desespero dos mini hétero top da época)

Depois do Objetivo, colégio de riquinho, foi a vez de ir para um colégio de bairro, bem menor e com alguns problemas grandes, como briguinhas de gangues de futebol (Vilaaaa!) e uso de drogas. Aqui estamos em 96, eu com 13 anos e ainda não tinha beijado nenhuma garota. Meu físico era de um graveto subnutrido, como ouvi uma vez, só tinha cabeça e orelhas. Não gostava de esportes nenhum (mentira, só de vôlei e de basquete), tinha um certo terror de futebol e mega discriminava quem gostava muito desse esporte. (confesso que ainda tenho um pouco de ranço disso)

Me lembro uma vez com 14 anos, naqueles torneios interclasse das escolas, a turma treinando ou jogando futebol e eu rodeado de meninas e daí comecei a ser chamado de gay ou coisas do tipo. O “problema” é que já nessa idade eu tinha dado o meu primeiro beijo e aprendi a chegar nas garotas e acabei fazendo a festa. Beijei muitas meninas (ou seja, umas 3 ou 4 no máximo)

Desde então mantive esse padrão de comportamento: Nerdinho, zero esportes, ranço dos meninos que seguiam os padrões e amigo das meninas

Meu relacionamento com mulheres também se mostrava melhor nos ambientes familiares. Sempre tive uma relação ótima com minha mãe e irmã (minhas heroínas), e os primos quando começavam a se comportar como machos, eu acabava me afastando.

Com 16 ou 17 anos tive minha segunda namorada e a primeira com quem transei. Tivemos um relacionamento de 4 anos e com ela descobri o que depois conheci o nome: crossdressing, que é o ato de usar a roupa de outro gênero, ou as famosas Transformistas, que apareciam na TV nos anos 80.

Lá pelos 21 anos, novo relacionamento e que dessa vez durou 11 anos (namoro + noivado + casamento). A parte do crossdressing ficou abafada, pois estive num relacionamento bem complicado. Por algumas vezes fiz escondido, mas hoje percebo que a essência feminina precisava de uma forma de sair e resolveu sair quanto ao comportamento: Me tornei praticamente uma dona de casa e estando casado com uma mulher que queria um homem com H maiúsculo, o casamento acabou indo ladeira abaixo. (Abraço pro Ney Matogrosso)

Até os 30 e poucos anos questionei minha sexualidade algumas vezes. Ora… se eu gosto de usar roupa feminina, então eu sou gay, certo? E graças a internet e TV à cabo já tínhamos acesso a documentários sobre diversidade sexual. Ainda era pouca coisa, mas ali em 2013 já começávamos a falar sobre transição de gênero de uma forma respeitosa.

Novo relacionamento, nova vida, novos hábitos… certo? Não né! Certa vez ouvi uma terapeuta falar sobre energias masculina e feminina e essa “energia feminina” que eu tinha em abundância teimava em querer sair. Comecei então a deixar fluir mais minhas vontades e desejos. Comecei a estudar também sobre a mente do ser humano, consciente, subconsciente, comportamento e coisas do tipo. Assisti também ao filme A Garota Dinamarquesa (recomendo!) e então as coisas começaram a parecer fazer sentido pra mim. Nessa época estava casado novamente e o assunto era muito complicado para eu entender e conseguir elaborar com ela. Acredito que além de ser difícil pra mim, seria também muita informação pra uma pessoa que começou a se relacionar com um homem e que de repente vinha com papos femininos. Tivemos uma filha, tivemos a pandemia, reprimi todas as vontades, adoeci. Comecei novamente a me portar como dona de casa e agora também como mãe. Fiquei mais doente. Fui pra terapia pois eu tinha me auto diagnosticado (não façam isso) com um transtorno sexual.

Descobri que eu não tinha um transtorno, ou dependendo da sua ideologia, eu tenha sim. O importante é que o DSM (o guia americano de transtornos mentais) e o CID (criado pela OMS), já não tratam a transexualidade como doença há algum tempo.

Mais uma vez, casamento fracassado e comecei a me sentir um fracasso em pessoa. Poxa, eu era um marido tão ruim assim que não conseguia manter um casamento? Eu vendo meus amigos completarem 20 anos juntos e eu não chegava nem na metade disso.

Agora com uma filha pra criar, na época com 2 anos e muitas indecisões na mente. O que afinal de contas eu sou? Fui atrás de entendimento sobre identidade de gênero, transexualidade, não binariedade e mais um monte de coisas. O que mais me atormentava era: Eu quero ser mulher, mas não gosto de homem.

Foi aí que eu descobri que existem Mulheres Trans Lésbicas (obrigada Jazz Rider/Mariana Mafra). Por muitas vezes me imaginava como mulher e automaticamente pensava em estar com um homem e isso sinceramente não vai rolar. Eu realmente não gosto da figura masculina, nem de ser um, nem de estar com um.

E agora pausa para o momento professora: Identidade de Gênero e Orientação Sexual são coisas distintas. Identidade é como a pessoa se vê. Caso você tenha nascido homem e se sente bem como homem, vc é uma pessoa CIS. Caso você tenha nascido homem mas que só se sente bem como mulher, você é uma pessoa TRANS. Temos ainda as pessoas que se sentem bem sendo os dois ou que preferem não ser nenhum.

Já a orientação sexual é por quem você se atrai sexualmente/romanticamente falando: Você é mulher (sendo cis ou trans) e gosta de homens? Vc é hétero. Vc é mulher e gosta de mulheres, vc é lésbica.

Então alguém que se comporta como homem e que se relaciona com outra pessoa que se comporta também como homem, esse alguém é gay. E no caso de uma mulher querer se relacionar como mulher, ela é lésbica.

E de uma vez por todas: Não importa o que as pessoas têm entre as penas. Isso não é da sua conta, ok? Ahhh, a forma como as pessoas tem relação sexual, também não é da sua conta. Ou você sai por aí falando disso pras pessoas? Imagino que alguém possa ter curiosidades sobre esse assunto e me coloco disponível para esclarecer suas dúvidas, mas seja respeitoso por favor.

E voltando à história… Posso afirmar que estou em processo de transição de gênero. O que isso significa? Que é um processo, composto por várias etapas e cada pessoa tem sua própria trajetória. A transição é pessoal, mas também social e familiar. Amigos, parentes, colegas de trabalho e comunidade fazem toda a diferença. Sabe quando as pessoas falam que “homofobia mata”? Não é necessariamente de algum homofóbico pegar uma arma e dar um tiro em uma travesti. Mas sim de que a pessoa se sente tão desamparada pela família e pela sociedade que ela já não vê razão de viver.

Nesse meu processo de transição, primeiro descobri minha identidade e em seguida minha sexualidade. Conversei com minha psicóloga, em seguida com minha então namorada (hoje estamos noivas e sobre ela ainda tenho um mega textão para fazer) e aos poucos fui ampliando minha rede de apoio. Já defini um novo nome também: Dana (não tinha como não ser nerd e não homenagear uma personagem que eu sempre admirei: Dana Scully, do Arquivo X.) Fiz o pedido de inclusão de Nome Social. Isso significa que nos meus documentos constará o novo nome, mas civilmente eu ainda responderei por Eduardo. Pense como se fosse um apelido. Se tiver difícil, continua me chamando de Tomazett que tá tudo certo.

Agora vem a parte complicada, que é a transição social e no ambiente de trabalho. Estou muito preocupada com isso e realmente não sei o que irá acontecer, mas na verdade eu tenho uma confiança muito grande de que as coisas irão caminhar bem. Eu quero apenas poder me expressar através da minha roupa e da forma como eu me vejo. Quero poder usar minha maquiagem, deixar minhas unhas bonitas e usar as roupas que eu fico namorando no Instagram.

Sabe quando você se permite usar aquela camiseta de time, mesmo não sendo jogador? Ou então usar a camiseta de um partido político ou até usar uma camiseta com dizeres religiosos? É mais ou menos isso. Deixa eu usar as roupas ué.

Parte da transição envolve também mudanças corporais: hormônios femininos e bloqueadores de testosterona; implante de próteses, procedimentos e cirurgias estéticas e a tão falada cirurgia de reafirmação de gênero (que é a mudança cirúrgica do órgão genital)

Como eu falei, tudo é um processo e vou aos poucos. Por enquanto eu preciso terminar de me encontrar pra depois pensar em alterações.

E eu acho que termino por aqui. Peço com muito carinho que procure entender que foi uma decisão que demorei muito a tomar e que não é uma fase. Se te ajuda, saiba que eu sempre me lembro de alguma coisa do meu passado que reafirma essa minha descoberta. São situações bobas de adolescente ou até da fase adulta q eu olho e penso: ah lá ó, já fazia coisa de menina.

Continuarei sendo a mesma pessoa. Se você gosta de mim, provavelmente vai gostar mais, pois serei mais eu. Se vc não gosta, bom… vai gostar menos ainda, pq pra vc eu também serei mais eu. De qualquer forma, estarei aqui, apenas sendo eu.

Bjos, abraços.

Dana.